Análise do filme "Anatomia de uma Queda": reflexões sobre o depoimento especial e a voz da criança com deficiência visual

 


O filme Anatomia de uma Queda levanta questões profundas sobre a complexidade das relações humanas, os limites da verdade e o papel da criança como testemunha em situações extremas. A obra nos apresenta o relato de uma criança com deficiência visual que testemunhou a morte do pai, colocando em destaque a importância do Depoimento Especial como ferramenta para garantir a escuta qualificada de crianças e adolescentes no sistema de justiça.

Depoimento Especial e a Proteção Integral

O Depoimento Especial, regulamentado pela Lei nº 13.431/2017, busca assegurar que crianças e adolescentes sejam ouvidos em um ambiente protegido e acolhedor, minimizando o risco de revitimização. No contexto do filme, essa prática seria fundamental para garantir que o relato do filho não fosse contaminado por pressões externas ou interpretações preconcebidas sobre sua deficiência visual.

A abordagem da criança como testemunha de um evento tão traumático reforça a necessidade de:

  1. Escuta Qualificada: Uma metodologia que respeite o tempo e a forma da criança se expressar, especialmente considerando suas limitações visuais.
  2. Adaptação Comunicacional: Técnicas específicas para ouvir crianças com deficiência, respeitando sua percepção e formas de entendimento do ambiente.
  3. Respeito à Subjetividade: Compreender que o relato de uma criança, embora valioso, está impregnado por suas percepções sensoriais, emocionais e cognitivas, que precisam ser analisadas no contexto geral do caso.

O Relato da Criança no Filme

No filme, a narrativa do filho não apenas informa o processo judicial, mas também expõe a vulnerabilidade de uma criança ao ser colocada no centro de um julgamento tão delicado. A deficiência visual do garoto traz uma camada adicional de complexidade, pois ele interpreta os eventos através de outros sentidos e de suas próprias emoções.

  • Limitações e Riquezas do Relato: A deficiência visual não impede que ele tenha uma percepção valiosa dos acontecimentos, mas exige que seu relato seja analisado com critérios técnicos, levando em conta a interpretação sensorial e emocional da criança.
  • Impacto do Trauma: A experiência traumática da perda do pai pode interferir na forma como o menino organiza e compartilha suas memórias, exigindo uma abordagem ainda mais sensível.

Reflexões para o Serviço Social e o Sistema de Justiça

O filme nos convida a refletir sobre a importância de capacitar profissionais que atuam com o Depoimento Especial. Para crianças com deficiência, como no caso retratado, é essencial:

  • Garantir acessibilidade comunicacional para que possam se expressar plenamente.
  • Respeitar os limites impostos pela deficiência sem deslegitimar sua voz.
  • Articular o relato da criança com outras evidências, evitando a sobrecarga de responsabilidade sobre ela.

O Serviço Social, nesse contexto, tem um papel fundamental em articular redes de proteção, acompanhar a criança e a família, e assegurar que seu direito de ser ouvida seja respeitado de forma ética e humanizada.

Conclusão

Anatomia de uma Queda nos lembra da complexidade de lidar com a verdade quando ela é mediada por narrativas humanas, especialmente as de crianças. O filme é uma oportunidade de refletir sobre a importância do Depoimento Especial como uma prática que coloca a proteção da criança em primeiro lugar, assegurando que sua voz seja respeitada e interpretada dentro de seus limites e possibilidades.

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