Adolescência, além dos muros: o que a série da Netflix revela sobre a dor silenciosa das famílias



Ontem assisti à série Adolescência, da Netflix. Do início ao fim, ela é angustiante. Apesar da minha experiência atuando em unidades socioeducativas — femininas e masculinas —, a série me confrontou com algo que raramente conseguimos enxergar de forma integral no cotidiano institucional: a vivência das famílias, especialmente das mães, que permanecem do lado de fora, mas sentem a dor tão intensamente quanto quem está privado de liberdade.

Na prática profissional como assistente social, lidamos com os adolescentes, com os prontuários, com as medidas, com a reintegração. Mas muitas vezes, mesmo nos nossos melhores esforços, a família aparece de forma fragmentada: como visita, como responsável legal, como contexto social. Difícil é ver — ou ter tempo para ver — a complexidade do sofrimento emocional dessas famílias.

Na série, a família de Jamie não tenta apenas entender o que aconteceu. Ela busca, o tempo todo, justificar ausências, encontrar falhas em si mesma, assumir culpas que talvez não lhe pertençam — numa tentativa desesperada de fazer sentido da dor. Esse processo, silencioso e contínuo, é também uma forma de punição, invisível, mas muito presente.

Esse olhar da série nos convida a algumas reflexões importantes:

  • A socioeducação não começa nem termina nos muros da unidade. Família também precisa ser acolhida, ouvida, compreendida.

  • Ausência familiar não é, necessariamente, abandono. Pode ser dor, vergonha, autoproteção.

  • O vínculo familiar é parte do processo de responsabilização e de reinserção. Não se reeduca alguém em isolamento emocional.

  • A escuta qualificada precisa ir além da técnica. Requer presença ética, empatia e disponibilidade para lidar com o que é incômodo, confuso ou contraditório.

A série me fez repensar o quanto precisamos ampliar o campo de atuação do socioeducativo para incluir verdadeiramente as famílias, não apenas como "contexto", mas como sujeitos que também precisam de cuidado, orientação e suporte.

Talvez seja o momento de repensarmos nossas práticas: criar grupos de apoio, rodas de conversa, articulações com políticas públicas que enxerguem a dor familiar com o mesmo cuidado que dirigimos aos adolescentes.

E, acima de tudo, lembrar que por trás de cada medida socioeducativa, há uma história que se desenrola também fora da unidade — e que, muitas vezes, nunca foi ouvida.

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